Arte na Paisagem na Beira Baixa:
Cortiçada Art Fest (2019-2020)
A Encomenda e a Análise do Programa
O projecto Cortiçada Art Fest nasce da vontade dos municípios de Proença-a-Nova, Oleiros e Sertã em contribuir para uma inversão da desertificação do território através de uma aposta consistente na cultura.
A nossa proposta foi definida com os municípios num processo longo de análise e leitura da paisagem cultural. Uma proposta delineada em conjunto e que assim supera os limites do programa e surpreende o próprio cliente.
Uma Proposta para a Paisagem Cultural da Beira Baixa
Nesta paisagem humanizada, como referiam Orlando Ribeiro e Ilídio Araújo, o abandono e a catástrofe ecológica dos incêndios cíclicos justapõem-se à escassez de habitantes, às vivências urbanas, a uma forte programação cultural e ao crescente turismo de natureza.
A proposta “Cortiçada Art Fest” tem como objectivo desenvolver uma identidade e um sentido de pertença da comunidade alargada dos territórios dos três municípios. O objecto final e o método de acção é a concretização de um roteiro de 5 obras de arte na paisagem num processo de envolvimento das populações e das instituições.
O Programa
O projecto Cortiçada é estruturado a partir do património da região. O crescente turismo de natureza – escalada, rotas e trilhos pedestres –, o dinamismo das associações locais e da sua programação cultural e, sobretudo, o profundo sentimento de pertença que encontrámos nos habitantes e nos muitos que voltam “à terra ou a casa”.
O método de trabalho é o desenvolvimento de acções de envolvimento associadas a cada fase do processo de implementação do roteiro de arte na paisagem. Este conjunto de acções desenvolvidas com as populações ao longo de 12 meses definem o cenário das obras de arte: o de uma experiência colectiva da paisagem ancorada nas potencialidades da região
Os Lugares
A selecção dos lugares do roteiro e de cada obra tem como objectivo promover o interesse colectivo da comunidade sobre o “seu” território (comunidade no sentido lato e incluindo quem habita ou habitou, quem visita, trabalha ou actua neste território).
Lugares que pontuam geografias diversificadas – de montanha, de rio, de aldeia ou vila – e que evidenciam diferentes valores de paisagem – de lendas, de transformações seculares de exploração mineral e agrícola, de desenho do espaço público.
Farol dos Ventos, Buraca da Moura, Proença-a-Nova
O carácter impositivo da montanha permanece no continuum histórico da apropriação humana do território. Por um lado, a montanha é o obstáculo, a dificuldade e mesmo o medo. Mas é também a referência dos limites do território, o lugar para o seu entendimento, e sobretudo, um lugar de atracção – de subir, de atravessar, de alcançar.
A modelação e a rotação sequencial dos cabos e das suas cores, entre o vermelho, o laranja e o amarelo, criam uma ilusão de movimento, de algo que vai acontecer, como uma ave que começa a levantar voo. Este movimento delicado surge como um sinal que não se impõe mas que se revela quando procurado assinalando algo que já aconteceu e que vai acontecer, como quando se alcança o cimo da montanha.
Véu, Parque da Carvalha, Sertã
O Parque da Carvalha destaca-se Sertã e na Beira Baixa como centro cívico com uma forte identidade paisagística. Pela sua escala, pela particularidade da convergência de duas ribeiras assim como pelas memórias associadas à “ponte filipina”, a Carvalha é um lugar gerador de sentido de pertença.
A forma e as superfícies espelhadas – uma sequência de chapas polidas e moldadas e aparentemente suspensas – evidenciam e multiplicam os reflexos e as relações entre a ribeira, o jardim e a paisagem rural. Talvez evoque um véu da princesa das Beiras. Da ponte filipina, o carácter cenográfico reforça a relação da ribeira da Vila com a paisagem rural num aparente equívoco de memória. No atravessamento do açude “o véu” revela-se como elemento lúdico de fácil apropriação.
Moongate, Torna, Oleiros
Numa paisagem de transição, entre a Vila e os campos, a ribeira da Torna destaca-se pelo seu carácter coeso e equilibrado de ajuste entre a natureza e a modelação humana; nesse sentido, é um espaço que propicia o repouso e a contemplação numa escala humanizada.
Através da colocação da obra Moon Gate evidencia-se o carácter contemplativo sobre a paisagem humanizada, acrescentando o carácter de representação da “paisagem natural”. Eventualmente, talvez a forma, a cor e as texturas definidas – um círculo âmbar intencionalmente enquadrado e estrategicamente colocado – evoque a entrada num jardim distante.
Acções de Envolvimento: Instituições e Associações
As acções de envolvimento – acções comunitárias – têm a dupla vertente de identificação de valores culturais e de comunicação e divulgação pedagógica.
O registo e interpretação dos lugares e das obras de arte é um “desafio” com forte adesão e divulgação pela comunidade (residente e da diáspora),que é potenciado pela geração mais nova através das actividades do “Centro Ciência Viva e Floresta” e das “Férias Desportivas”.
O reconhecimento, o registo e a divulgação de memórias e lendas, de vivências de abandono e de mudança são o fio condutor que é progressivamente desenrolado com as Associações (na fotografia com Ana Louro, Sobral Fernando) e com a Bibliomóvel (em que Nuno Marçal apoia os mais isolados).
Acções de Envolvimento: Acontecimentos Locais
O entendimento da paisagem alicerça-se na participação em eventos e momentos de encontro de longa data como a apanha da azeitona e as festas das aldeias, em celebrações excepcionais, nos workshops das associações e em jogos dinamizados por nós como com os escuteiros da vila da Sertã.
Conversas à Janela da Paisagem
As “Conversas à Janela da Paisagem” decorrem da necessidade de reforçar o envolvimento através de meios digitais devido à pandemia e de colocar em perspectiva questões estruturantes do projecto (o lugar da arte na paisagem e o aprofundamento de um sentido de pertença a um território).
O convite foi lançado a profissionais reconhecidos de diferentes áreas da arte, da paisagem e da cultura – Camilo Rebelo, Laura Castro, Hélio Loureiro, Marta Cruz, David Viana, Inês Cardoso – para assim partilhar nas redes sociais apontamentos de uma reflexão alargada.
Visitas à Obra
As visitas à obra em directo são uma acção de envolvimento que privilegia a divulgação através de pessoas já envolvidas no processo – pelas associações, instituições ou proximidade local – e de pessoas que pela sua relação com a região e desenvolvimento profissional influenciam a comunidade regional e a sua a diáspora. A comunidade alargada acompanha assim a execução progressiva de cada uma das obras de arte.
Desafios
Através das plataformas digitais lançam-se “Desafios” de interpretação de cada uma das obras de arte na paisagem. Poemas, pinturas, fotografias e desenhos partilham entendimentos das obras e dos seus lugares, associando lendas e memórias, características geográficas e ecológicas, experiências estéticas e conceitos artísticos.
Através das acções com o Centro de Centro Ciência Viva e Floresta e as “Férias Desportivas”, ou pela participação espontânea, os desafios surpreendem pela apropriação dos lugares alterando nomes e propondo metáforas e representações.
Devolução das Obras à População: Inauguração
(Cortiçada Weekend)
A inauguração é um momento sinalizador da devolução das obras e do roteiro de arte na paisagem às populações:
Sinal de integração na região e nos lugares do Roteiro, através da programação de workshops com artistas e artesãos da região e de concertos nos lugares das obras.
Mas também sinal da importância da articulação entre as estratégias culturais a longo prazo (referido por Américo Rodrigues e de Suzana Menezes), as acções dos decisores políticos (evidente nas palavras dos presidentes dos municípios) e a fundamentação consistente de projectos artísticos e de transformação da paisagem.
Entrega da Obra
Terminado o roteiro, a obra é “devolvida” a quem habita a sua paisagem. Um evento presencial de conversas sobre a obra, envolvido por um lanche promovido pela Associação da Aldeia, pelo Município e com a participação da Junta de Freguesia.
Apresenta-se a obra, contextualizam-se as principais intenções, a escolha do lugar e a inserção no plano mais abrangente de desenvolvimento a longo prazo do território. Conversa-se sobre a importância de combater o abandono desta região e trocam-se opiniões de forma a analisar o impacto da obra e das várias acções de envolvimento na valorização efectiva da paisagem para aqueles que a habitam.
Durante a Acção de Entrega da Obra é evidente a crescente empatia por esta e como a sua integração na paisagem é aceite e corroborada pela comunidade local. “Eu gosto muito da minha Serra! E agora ainda mais!” foi uma frase por vários repetida e que revela o sucesso do método de acção.
Observadores Externos
A presença de observadores externos – Laura Castro e Nuno Grande – permite a leitura do projecto Cortiçada no âmbito de outros projectos artísticos e de intervenção na paisagem.
Acções de Continuidade
No evento presencial de Entrega da Obra, nas Inaugurações e noutros momentos posteriores à execução das obras foram entregues flyers com apontamentos das intenções estéticas e entendimentos do lugar, da escolha dos materiais, da instalação e dos desafios da manutenção.
Paralelamente ao desenvolvimento das restantes obras foram executados planos de sugestões de melhoramentos dos caminhos, do lugar e da envolvente, com o objectivo de orientar as futuras intervenções na paisagem.
Equipa da Organização da Cortiçada Art Fest
Marta Marques de Aguiar
Sofia Marques de Aguiar
Mariana Costa
O envolvimento de MAG – Marques de Aguiar decorre de, por um lado, a experiência de MAG –Marta Aguiar e Mariana Costa– no desenho e produção de obras criadas intencionalmente no sentido de despertar interesse estético e um apropriação. Estas obras têm como premissa lugares específicos – espaços construídos ou paisagens – e a sua transformação recriando um sentido de pertença.
Por outro lado, da experiência de Sofia Marques de Aguiar como artista plástica e como fundadora da Fábrica de Artes Cubano (FAC) em que desenvolve uma intensa actividade criativa com equipas artísticas interdisciplinares com uma forte aposta na integração e coesão social e comunitária.
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